segunda-feira, abril 14, 2008

Montanha Russa

Sempre adorei andar na montanha russa. A sensação de velocidade descontrolada, de perder o equilíbrio em curvas apertadas, de cair de alturas inimagináveis, de gritar até os pulmões doerem, de rir à gargalhada, sacudida pelo medo e pelos picos de adrenalina, de sentir os cabelos a voar e os membros a agitar-se sem vontade própria, do coração a bater descompassadamente com o sangue a ser bombeado em golfadas abundantes. A sensação de ser conduzida, agitada e atirada para destinos desconhecidos, sempre ao som de uma banda sonora bem ritmada (ainda que nem sempre de acordo com o gosto pessoal). Adoro a sensação de não ter de controlar, de não o poder fazer.

Não sei porquê, sempre pensei que a vida fosse um pouco como uma montanha russa, em que eu apenas teria a escolha de pagar o bilhete para andar. Que tudo o resto seria uma aventura louca, com um final seguro à espera. Era isso que eu queria e com o que sonhava: uma vida animada, cheia de surpresas mais ou menos agradáveis, em que cada curva reservaria uma injecção de adrenalina e cada queda uma nova subida em direcção aos mais altos picos de divertimento. Afinal, chego lentamente à conclusão de que a maior parte das vidas se assemelha mais a um enfadonho carrossel. Nele encontramos uma sequência de pequenas ondulações, com muito pouco de espectacular; podemos escolher se queremos fazer a viagem ao lado de animais domesticados ou de animais selvagens, e se seguimos em carros, motas ou bicicletas; para um pouco mais de adrenalina podemos entrar nas rodas giratórias, que nos atiram na direcção contrária à que seguem os restantes companheiros de viagem; tudo isto moderado pela voz agridoce de um animador pouco convincente que nos grita aos ouvidos: “Mais uma voltinha! Agora para trás… agora para a frente…”. No fim, quando analisámos a viagem, chegámos à conclusão de que teve poucos focos de interesse, de que nos limitámos a entrar na onda, deixando de sentir qualquer verdadeira satisfação com as rotineiras subidas e descidas. Ficamos com o gosto acre da desilusão na boca. Questionamos o objectivo. Foi para isso que pagámos? Foi por isso que ficámos na fila durante horas? É para isso que estamos aqui?

Dá vontade de andar um pouco mais nesta feira demasiado popular, em direcção à montanha russa. O preço a pagar pode ser bastante mais alto, a viagem bastante mais assustadora, mas pelo menos no final sempre temos algo para contar.

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segunda-feira, abril 07, 2008

O meu GPS anda perdido

Este ano, no Dia dos Namorados, recebi a melhor prenda que me poderiam ter dado: um GPS. É verdade. Eu, que nunca consegui dar mais de 2 voltas ao quarteirão sem me perder irremediavelmente, estava finalmente autónoma e verdadeiramente independente. Amei, delirei, caí de joelhos e bendisse a minha boa sorte por ter um namorado que escolhe sempre a prenda certa para mim (há 2 anos, recebi uma Massagem de Pedras Quentes, no SPA do Sheraton…).

Logo que foi possível experimentei o fantástico aparelho, e o resultado foi do mais convincente que há: com uns “por favor, daqui a 300m vire à direita” e uns “por favor, daqui a 100m vire à esquerda”, rapidamente me encontrei mesmo em frente do edifício para o qual pretendia ir. Sabendo que nunca lá teria ido parar sozinha, fiquei completamente rendida. Aquilo funcionava mesmo!
Ora, o que eu já devia saber é que na minha vida nada corre exactamente como previsto, nada funciona tal como devia, nada avança sem percalços na direcção correcta. E claro que o GPS não podia ser a excepção à regra, como eu descobri penosamente nem 2 semanas depois.
Tudo aconteceu assim: num dia triste, em virtude de uma situação infeliz, seguia eu em direcção a um pequeno povoado no Norte do País; armada de GPS e com uma morada mais ou menos completa, a estrada era minha amiga e eu acelerava sem receio nem necessidade de telefonar a confirmar indicações. Tudo correu sobre rodas, até que as estradas principais ficaram para trás e comecei a embrenhar-me aos poucos nas secundárias, e depois em ruelas alternativas, e depois em trilhos escuros, cada vez mais recônditos. Por essa altura já eu tinha começado a questionar as escolhas do meu co-piloto… mas entre o meu próprio sentido de orientação, completamente inexistente, e um moderno e tecnológico GPS, não havia grande escolha. E assim, perante indicações seguras e decididas, lá fui continuando a enfiar-me cada vez mais para o meio de campos e plantações, já em caminhos demasiado estreitos para o meu carro, com silvas a arranharem a pintura de ambos os lados, sempre com a esperança de que a salvação estaria no virar da próxima curva. Mas no virar da próxima curva só estava um tractor. Um tractor, diga-se, cujo dono ficou bem mais surpreendido que eu por ver alguém num Toyota Auris novo a aventurar-se em tal caminho.
Foi então que eu desmoronei por completo. A suar profusamente, com o odor do desespero a exalar de cada poro, completamente aterrorizada, fiz uma análise muito pouco racional da minha situação: estava completamente perdida no meio de um campo de cultivo ao qual tinha chegado mediante indicações de um GPS psicótico, estava ladeada por 2 muros de pedra, num caminho demasiado estreito para inverter marcha, tinha colocado o carro da empresa (e com ele o meu emprego) em sério risco. E foi aí que resolvi fazer a única coisa que me pareceu minimamente lógica: liguei ao meu namorado, completamente histérica, a descabelar-me e a chorar compulsivamente, pedindo-lhe ajuda ao mesmo tempo que lhe assegurava que não poderia ajudar-me, uma vez que eu não fazia a mínima ideia de onde estava… Valeram-me a sua calma e o seu discernimento: conseguiu convencer-me de que não ia morrer ali, emparedada, que bem ou mal ia conseguir tirar o carro, que estragasse o que fosse preciso para o efeito, que dinheiro era o que menos devia preocupar-me naquela situação e, sobretudo, que tinha de respirar fundo e procurar manter a calma. E assim fiz: respirei fundo (mesmo sabendo que corria o risco de uma apoplexia) e, mediante 537 manobras consecutivas, consegui inverter a marcha e fazer o trajecto inverso, saindo do outro lado com o carro completamente riscado, sem o espelho retrovisor esquerdo, com o pára-choques arranhado, e ainda completamente perdida. Mas com um enorme suspiro de alívio e com a inabalável certeza de que iria encontrar o caminho à moda antiga: perguntando às pessoas que encontrasse pela estrada.

Umas semanas mais tarde, convencida de que tudo tinha sido um enorme mal-entendido entre mim e o aparelho, resolvi voltar a utilizá-lo. Só que desta vez, pelo sim e pelo não, fiz-me acompanhar do melhor mapa que conheço. Para resumir, bastará dizer que nunca tinha visto o meu namorado tão perdido do que quando tentou utilizar o dito GPS (nem tão furioso… mas isso até teve piada, pelo inusitado da situação: eu a tentar acalmá-lo, morta de riso, e ele a espumar por todos os lados, completamente fora de si).

Apesar da raiva inicial, e da imensa desilusão que se seguiu, concluí que a culpa pode não ser da tecnologia. Tal como os animais, os GPS podem acabar por projectar a personalidade do dono. Infelizmente, neste caso, trata-se de uma dona muito pouco orientada. Fica por ver se acabamos ou não por chegar a bom porto.

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