segunda-feira, setembro 29, 2008

Os cães ladram e a caravana passa

Contrariamente às outras meninas, que teimavam em privilegiar a Carochinha, a Cinderela ou a Branca de Neve, o meu conto infantil favorito sempre foi “O velho, o menino e o burro.”.

Acredito que o fascínio inicial se devesse à forma como a minha mãe mo contava (o ar mais sério, as pausas nos momentos chave, a forma como, após o desfecho, os seus olhos pareciam perguntar “Entendeste?”), mas com o tempo prevaleceu a moral certeira do seu conteúdo. Adoro tudo nesta história: as personagens, a simplicidade do enredo, a forma naif como nos confronta com uma verdade intransponível (“Não se pode agradar a gregos e troianos.”). E adoro sobretudo o facto de, se a soubermos escutar bem, nos ensinar duas lições: não julgar os outros e não agir em função dos julgamentos alheios. Claro que isto nem sempre é fácil. Estamos destinados a viver em sociedade, e esta proximidade impele-nos, por muito que não se queira, a lidar bem de perto com 2 tipos de pessoa: umas que não podemos evitar criticar, e outras cuja opinião tem demasiada relevância para ser ignorada.

No entanto, e tendo então presente que não existem verdades absolutas, eu procuro sempre aplicar a máxima da história. E esta parece-me um excelente lema de vida: regermo-nos pelos nossos próprios princípios e valores, deixando falar a populaça. Afinal, já sabemos que há sempre alguém pronto a criticar, seja qual for a nossa decisão, atitude ou opinião. A essas pessoas, eu recomendo que se responda com base nos seguintes provérbios/ditados (à escolha, conforme a situação e o destinatário): o insultuoso “Vozes de burro não chegam ao céu.” (caso se queira mesmo rebaixar o indivíduo), o altivo “O que vem de baixo não me atinge.” (se quisermos marcar bem a nossa posição) e, o meu preferido, o sobranceiro “Os cães ladram e a caravana passa.” (traduzindo: ladra para aí, que eu vou fazendo a minha vidinha…).

Imagem: retirada do www.metaforas.com.br

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segunda-feira, setembro 22, 2008

Letras e Fitas

Duas das minhas mais avassaladoras paixões na vida são a Literatura e o Cinema. Encaro estes 2 temas como se fossem complementares, como se um ajudasse a compreender e a amar o outro, como se a um ponto ambos se pudessem cruzar, formando um só.

Assim, eu adoro ir ver os filmes que resultaram de um livro que apreciei e, apesar disto causar estranheza à maioria das pessoas, acontece-me frequentemente comprar o livro que originou determinado filme. Para mim, ambas as situações fazem perfeito sentido. É que eu gosto de ver se o realizador interpretou da mesma forma que eu as personagens e situações imaginadas pelo autor, se conseguiu transpor para a tela as imagens, aromas, desejos e emoções que eu absorvi durante a leitura. Sim, porque quando um livro me entusiasma, eu começo inevitavelmente a moldar o respectivo filme, completo com casting, reperage, banda sonora e tudo. Na minha mente, eu sei perfeitamente quem deveria interpretar o galã espadaúdo de olhos melosos ou a jovem sedutora de curvas estonteantes, sei exactamente qual o local em trocariam os primeiros olhares de desejo, e quase oiço em surround a música sensual que serviria de cama à sua paixão.

No entanto, devo dizer que (na maioria das vezes) o livro é inevitavelmente melhor que o filme: o enredo mais envolvente, as personalidades mais ricas, as relações mais intrincadas e perturbadoras. Eu até percebo que, por questões de intensidade ou ritmo de filmagem, tenha de se eliminar ou acrescentar uma/duas situações ou personagens. Agora, não posso perceber é que desapareçam, sem qualquer explicação plausível, linhas de parentesco completas e situações absolutamente inebriantes e inesquecíveis (um dos meus maiores desgostos foi assistir à versão cinematográfica de “A casa dos espíritos”… nem os actores consagrados e o solo português conseguiram anular a dor de ver esfarrapada a obra de Isabel Allende).

Excepção feita ao único filme que, para mim, fez jus à obra de que germinou (apesar de, pontualmente, também se ter afastado da mesma). Com um casting absolutamente inquestionável, cenários de uma grandiosidade assombrosa, e interpretações de tirar o fôlego, nem a troca de realizadores e a têmpera de David O’Selznick beliscaram a obra-prima que é “E tudo o vento levou.”, de Victor Fleming. Tenho a certeza que nem a própria Margaret Mitchell distinguiria Clark Gable e Vivien Leigh de Rhett Buttler e Scarlett O’Hara. Como também estou certa que esta perdoou o acréscimo do advérbio de modo à mais célebre frase do filme: “Frankly my dear, I don’t give a damn.”.

Imagem: retirada do blog pipocasetretas.wordpress.com

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segunda-feira, setembro 15, 2008

O amor é cego.

Desde miúda que oiço a minha mãe repetir este provérbio. Isto porque eu, sendo uma pessoa bastante ligada ao mundo material, a questionava vezes sem conta sobre o facto de se verem mulheres lindíssimas com homens sem piada nenhuma (o contrário também acontece, mas é mais raro. Parece que os homens vêem um pouco melhor que nós…).

À minha interpelação “Eu não percebo o que é que a Joana anda a fazer com aquele tipo horrível!”, respondia invariavelmente a minha mãe “O amor é cego.”. Às vezes complementava com “Quem feio ama, bonito lhe parece.” ou “Gostos não se discutem.” ou “Se todos gostassem do vermelho, que seria do amarelo?” (estão a ver onde é que fui buscar o gosto pelos provérbios, certo? À fonte). Eu não ficava totalmente convencida mas, à falta de melhor, lá ia aceitando a explicação (afinal, quantas de nós já ficaram sem palavras quando, após ouvir a descrição apaixonada de uma amiga sobre o seu novo amor, o conhecemos só para verificar que não vamos conseguir responder honestamente à pergunta “Então??? O que achas???”).

Agora, aos meus 30 e poucos anos de vida, cheguei à conclusão que o amor não é só cego, é essencialmente estúpido. É que, pior que encetar relações com pessoas que consideramos mais ou menos atraentes, é mantê-las com pessoas que obviamente não nos merecem, pessoas sem carácter, sem personalidade, sem inteligência, sem empenho, o que seja. E quantos casos se conhecem assim? Dá vontade de dizer que o provérbio supracitado se explica com outro bem mais verdadeiro: “Quem vê caras não vê corações.”

Imagem: retirada do blog conversagratis.blogspot.com

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segunda-feira, setembro 08, 2008

As aventuras de um menino competente no mundo dos incompetentes

Era uma vez um menino competente. Assim mesmo ele se via. Competente até à medula, competente em tudo, competente até enjoar. As suas acções eram perfeitas, as decisões tomadas sabiamente, as atitudes as mais correctas. E todas as noites, olhando para o seu reflexo no espelho, ele perguntava “Espelho meu, espelho meu. Haverá alguém mais competente do que eu?”, sorrindo perante a resposta “Não, meu Senhor. Vós sois o mais competente.”.

Ora, um tenebroso dia, o nosso menino foi lançado sem dó nem piedade para o mundo dos incompetentes. E, de repente, sem saber como nem porquê, viu questionados os seus métodos, as suas escolhas e a sua forma de proceder. Ao choque de perceber que as outras pessoas não aceitavam sem questionar tudo o que saía da sua competente boca, seguiu-se a raiva. Incapaz de uma auto-análise, desabituado que estava a ter de lidar com outros seres pensantes, o menino enfureceu-se. E a cada pergunta, crítica ou sugestão, com a boquita cerrada em botão e os caracóis a abanar, atirava uma frase que excedia em vinagre o que lhe faltava em argumentação e respostas inteligentes: “Oh, oh, oh, oh!...Por favor, por favor…”. Aos poucos as pessoas foram vendo o nosso menino como realmente era: um ser inchado e amargurado, cujas capacidades não compensavam a falta de abertura e empatia. E assim, sem o respeito ou admiração que tanto desejava, e com a humildade morta pela soberba, o nosso herói, qual Buda em auto-imposto pedestal, continuou a dizer a si mesmo e a quem queria ouvir “Eu é que sou o competente…a sério, sou eu… o competente sou só eu…”.

Como o nosso amigo, há muitos que, achando-se já perfeitos, negam qualquer equívoco e recusam-se a aprender seja o que for com quem quer que seja. Com receio que isso lhes “belisque” a “competência”, condicionam a própria evolução pessoal e profissional. São as tristes histórias de um mundo empresarial repleto de “wanna be’s”, pessoas que querem ser os reis do pedaço, convencem-se de que realmente o são, e parecem não se aperceber que mais ninguém os vê assim. E lá vão vivendo as suas vidas, acreditando no que o espelho lhes diz todas as noites.

Imagem: retirada do site www.walltowallstencils.com

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segunda-feira, setembro 01, 2008

O que não tem remédio, remediado está.

Este é um dos meus provérbios favoritos. Já o apliquei várias vezes ao longo da minha vida, e ajuda-me bastante a colocar as coisas em perspectiva.

Eu tenho por tendência ver sempre o copo meio vazio e, sobretudo, dramatizar todas as situações menos favoráveis. Quando era mais nova (oh, não! Eu escrevi mesmo isto?...), tudo o que me acontecia de menos bom (fosse um cataclismo à escala mundial, fosse uma unha partida) despoletava de imediato as 5 fases definidas pela Psicologia. E não estou a exagerar.
Para se ter uma noção das minhas reacções, tem de se fazer um exercício de imaginação. Vamos lá: festa importante, eu, 16 anos, mini-saia, um sussurro de uma amiga: “Tens um foguete na meia…”:
- Choque - Com o corpo em tensão, ligeiramente inclinado para a frente, e o pescoço a acompanhar as frases em vai e vem, cuspo a pergunta: “O quê?! O quê?!”
- Negação – A caminhar em semicírculo, a cabeça a abanar para a esquerda e para a direita, as mãos a abrir e a fechar à altura do peito: “Isto não está a acontecer. Não, não, não, não a mim...”
- Raiva – Corpo ligeiramente abaixado, cotovelos encostados à cinta, punhos cerrados: “Oh, pá! Mas porque raio é que isto me foi acontecer? Estou farta disto tudo. Sempre a mim, sempre a mim…”
- Depressão – Sentada num qualquer canto, corpo dobrado, cabeça apoiada nas mãos, lágrimas a assomar aos olhos: “Eu não acredito que isto aconteceu mesmo… e agora, meu Deus, e agora?...”
- Aceitação – Cabeça inclinada para trás, olhar suspenso no ar, boca contraída, suspiro profundo: “Olha, o que não tem remédio, remediado está.”

E lá está o nosso provérbio. Hoje em dia já aprendi a controlar um pouco melhor as emoções: depois de passado o choque, e quando estou mesmo a atingir aquela fase de desespero em que me apetece gritar bem alto na cara de toda a gente “Isto não ME pode ter acontecido!”, repito este mantra com calma e convicção. Estranhamente, até porque não há verdade de La Palisse mais óbvia que esta, ajuda-me imenso a encarar situações difíceis, a aceitar a realidade e, sobretudo, a sair do “e se” e a procurar um caminho alternativo.

Imagem: retirada do site rataplas.wordpress.com ("The scream" - Edvard Munch; 1893)

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