Golda não, folte.
Em miúda sempre fui gorda. Não era gordinha, nem cheiinha, nem fofinha, nem forte (não, mãe, não era forte!). Era mesmo gorda. Gorda ao ponto de nas lojas nada me servir e de ter de comprar roupa números acima da minha idade, gorda ao ponto de deixar umas calças de ganga deformadas com o volume da minha barriga, gorda ao ponto de me chamarem Moby Dick na piscina. Já perceberam a ideia, não?
Durante um certo tempo eu não me apercebi que era assim tão gorda, nem de que isso era assim tão mau. Afinal, até ali sempre tinha visto pessoas de todos os feitios e formatos viverem em conjunto de forma relativamente pacífica e sem grandes conflitos (ou pelo menos, não conflitos que resultassem da sua aparência física). Vivia feliz no meu mundinho de comida condimentada e doces saborosos, numa inocência condizente com os cerca de 5 ou 6 anos que devia ter. Até ao dia em que, num recreio de escola, uma besta qualquer (leia-se “o meu vizinho da frente e melhor amigo na altura”) resolveu chamar-me baleia, ao mesmo tempo que me atestava um murro e alguns empurrões que me deitaram por terra. Tudo com vários outros cretinos (não sei se já repararam que, além de serem “a melhor coisa do mundo”, as crianças são verdadeiras idiotas, mais cruéis que Mussolini e com o individualismo de um rebanho de ovelhas) a rirem-se da piada. Claro que no dia a seguir, servindo-me do facto de ele ter a consistência de um palito (certamente já ouviram falar da dupla “Bucha e Estica”), além de lhe dar um valente atesto de pancada diante do mesmo público do dia anterior, ainda lhe coloquei a alcunha que o havia de perseguir durante toda a primária: Sacholas (escusado será dizer que o menino tinha os dentinhos da frente um pouco proeminentes…). Naqueles dois dias aprendi duas lições: não se pode confiar em ninguém e “não te zangues, vinga-te.”.
O problema é que essa questão ficou resolvida, mas o trauma de ser gorda nunca mais me largou: dos 10 anos em diante foram dietas atrás de dietas, oscilações de peso entre o “boazona” e o “desvia-te que estás a tapar o sol”. Eu bem queria ser racional (ou inteligente) o suficiente para o sacudir, mas confesso que é complicado. Desde que comecei a trabalhar, a actividade tem ajudado a conseguir comer mais ou menos o que quero (pelo menos numa das refeições do dia ou dia sim dia não), mas mais 1 ou
Bem, tudo isto para dizer que nos últimos dias aconteceram duas coisas que quase me levaram novamente a esse mundo de insegurança.
Primeira: vou a um gabinete de estética novo (usufruir da oferta de uma porcaria de um cartão qualquer a que aderi) e a “técnica”, mirando-me de cima a baixo no início da “consulta”, pergunta: “Excesso de peso, tem?”. Devo ter ficado a olhar para o animal esquelético durante cerca de meio segundo, a pensar para mim mesma “Fome, passas?”, para depois responder entredentes: “Não.”.
Segunda: vou comprar umas meias de descanso a uma parafarmácia. A empregada, simpática, pergunta “Altura e peso? Só para calcular o tamanho necessário…”. Respondo eu: “1,65m, 53kg.”. E vai ela: “63kg?”. Só me apeteceu arrancar-lhe o sorriso da cara à bofetada. 63kg, grande asno?
Isto tudo no espaço de 1 semana. Felizmente, passada a fúria, tive o distanciamento de pensar “Porra, então eu visto um 36 - ou pelo menos, quase sempre… - e estas cabras a dar-lhe?? Querem saber mais? Foltam-se vocês!”
Imagem: retirada do blog filomena-emsegredo.blogspot.com
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