segunda-feira, maio 19, 2008

Coisas que odeio - VI


Odeio raios de sol com pernas. Não sei porquê, mas enervam-me profundamente as shinny happy people a quem tudo parece correr bem. E digo “parece” porque, mesmo que corram mal, encaram tudo com um sorriso nos lábios e um perdão ostensivo no coração. São irritantes e fazem-me doer a cabeça.

Toda a gente conhece alguém assim. São aquelas pessoas que parecem caminhar sob um raio de sol privativo, que se deixam enganar vezes e vezes sem conta sem nunca perder o bom humor, e que encaram cada desgosto como uma motivação. São uns bem-dispostos a quem nunca passou pela cabeça um homicídio estrategicamente premeditado ou um suicídio assumidamente doloroso. Pessoalmente, não percebo como é que podem existir pessoas assim, a quem a vida não faz mossa e cujo sofrimento parece ser um prenúncio para novos e mais intensos êxtases. Trata-se obviamente de um erro genético, uma vez que toda a gente sabe que estamos predestinados a sofrer durante todo o tempo que cá andamos e depois, já se sabe, morremos (parafraseando um famoso poeta de t-shirts “Life sucks and then you die.”).

Ora, como se percebe, eu sou uma pessoa pessimista, uma pequena nuvem negra. Pelo menos é o que a maior parte dos amigos e conhecidos defendem. Numa interpretação aparentemente cor-de-rosa da minha personalidade, sempre me considerei uma realista. Mas não, dizem-me que vejo tudo pela negativa e que tenho mesmo de mudar a minha forma de ser, sob o risco de nunca ser feliz.
Não sei se concordo muito com estas interpretações. Em primeiro lugar, se é certo que por vezes me sinto envolvida por uma aura cor de breu e que nunca consigo estar plenamente satisfeita com nada nem com ninguém, também é certo que tenho uma estranha tendência para prever determinados acontecimentos e atitudes (normalmente aqueles que geram um comentário do tipo “Eu avisei-te.”). Em segundo, não percebo porquê que uma mudança de atitude iria trazer a felicidade à minha porta (não, não li “O segredo” e não acredito nem um pouco em livros de auto ajuda), e também não percebo porquê que só é aconselhada esta mudança de atitude às pessoas ditas “pessimistas”.
Eu defendo a postura “Antes a pior das verdades que a melhor das mentiras”, e o que me parece é que as ditas pessoas “optimistas”, por norma, vivem numa redoma feita das mais elaboradas e coloridas petas.

Eu sou assim. Acredito piamente que tudo o que pode correr mal vai mesmo correr mal (e mesmo o que pode correr bem, não garanto…), que a maior parte das pessoas de quem gostamos vai acabar por trair-nos, que o nosso sabor de gelado preferido vai ser descontinuado, e que vai chover naqueles 15 dias que tirámos para ir à praia. E prefiro ser surpreendida pela positiva (“Olha, afinal está um sol radiante!”), que pela negativa (“Mas quem me mandou a mim confiar naquele camelo?!”).

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segunda-feira, maio 12, 2008

A pulga atrás da orelha

Todas conhecemos a sensação de ter a vida a correr muito bem, nem uma preocupação no horizonte, tudo flores e passarinhos e, de repente, alguém (habitualmente uma “amiga” ou “amigo”) diz algo que não encaixa na nossa versão dos acontecimentos e pronto: lá está a pulga atrás da orelha.

Nem sempre nos apercebemos de imediato do que aconteceu, da palavra exacta que desencadeou a desconfiança. Ás vezes só umas horas depois da conversa é que surge a incómoda comichão na zona da nuca. É quando já estamos sozinhas, possivelmente a ver televisão ou a ler um livro, que começamos a franzir a sobrancelha e a pensar “Mas o que será que ela/ele quis dizer com aquilo?”. E pronto, acabou a paz.
A partir daí, numa tentativa de aniquilar a pulga que ameaça perturbar-nos o sono durante umas boas noites, sucedem-se algumas fases (cuja ordem pode variar em função da mulher em causa):
- Reconstituição: a ideia aqui é ter a certeza de que existem razões para estarmos desconfiadas, de que não se trata apenas de uma paranóia nossa. Assim, tudo começa com um intenso esforço de memória, um esmiuçar de cada palavra da conversa e de cada gesto do interlocutor, em busca de mais provas do que quer que seja que despoletou a dúvida. Será que as palavras se juntaram por acaso, dando forma a uma frase menos feliz, ou será que houve uma segunda intenção por trás do comentário (normalmente é uma pergunta feita com ar inocente – Ex: “E tu não te importas que…?” ou “E tu não achas…?”)? Será que se tratava apenas de deitar conversa fora ou será que estavam a tentar dizer-nos algo (que, à falta de coragem e com medo da reacção, resolveram apenas sugerir – assegurando, em paralelo, um alívio de consciência: o tão famoso “eu não lhe disse directamente, mas dei-lhe a entender…”)? Nesta fase estamos um pouco baralhadas, porque hesitamos imenso entre confiar nos factos (que julgamos conhecer) ou no nosso instinto (que nos diz que algo está errado).
- Conjecturas: após a primeira abordagem ao problema (ou em paralelo com a mesma), despoleta-se todo um processo de suposições. Como se sabe, qualquer mulher dispõe de uma imaginação de fazer corar de inveja um argumentista galardoado pela Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood. E é nestas situações que a mesma se revela em todo o seu esplendor. De repente, após uma análise inicial mais inofensiva, desatamos a criar os vários cenários em que as ditas afirmações fariam sentido. E são quase sempre de drama, terror, ou uma combinação dos dois. Invariavelmente, vemo-nos traídas, enganadas, humilhadas, vilipendiadas, … basicamente, somos as coitadinhas, as desgraçadas ou as palhaças de que todos se riem ou de que têm pena. Esta é a fase mais terrível, aquela em que os nossos medos ganham maior expressão.
- Investigação: nesta altura decidimos acrescentar mais dados (ou mais confusão, dependendo da perspectiva) àqueles que julgamos já possuir. De uma forma mais ou menos discreta, podemos falar com a pessoa que deu origem a todo o processo, tentando que volte ao assunto em questão e revele mais algum detalhe, ou então podemos recorrer a outros elementos do grupo de amigos para ver se algum se descai com alguma inconfidência. Nesta fase, a ideia é, mais uma vez, confirmar se realmente entendemos bem a mensagem ou se estamos só a ficar completamente loucas.
- Consultoria: já descrentes da nossa própria capacidade de raciocínio e análise de informação, resolvemos recorrer a alguém da nossa inteira confiança (normalmente uma irmã ou, à falta da mesma, de uma amiga “do peito”). Expomos toda a salgalhada e perguntamos, entre o esperançado e o conspiratório: “E então, o que é que achas? Não é esquisito ela ter dito isto, sem mais nem menos? Estou a exagerar ou tenho razão para estar assim?” Nesta fase, das duas uma: ou a compincha acompanha o jogo (“Realmente é estranho… eu se fosse a ti mantinha a guarda bem alerta e, ao mínimo deslize… Se precisares de ajuda, já sabes…”) ou tenta lançar um pouco de água na fervura (“Se calhar não quis dizer nada com isso… lá estás tu a exagerar…”). Seja qual for o conselho dado e o estado de espírito depois da conversa, no final da história o resultado será o mesmo: mulher que se preze, não afugenta a pulga de trás da orelha por dá cá aquela palha. O que leva às 2 fases seguintes.
- Confrontação: após uma tentativa infrutífera de manter a compostura (ao estilo da rainha da classe, a inimitável Audrey Hephburn), lá descemos dos tacões. Isto acontece quando, no final de uma noite que passámos com um sorriso amarelo cosido no rosto, derramando palavras agridoces de forma forçada, olhámos para a pessoa sobre a qual recai a desconfiança e decidimos “Que se lixe! Isto vai ser tirado a limpo e é agora!”. E pronto, é nesta fase que a pessoa vai ter de explicar muito bem explicado porquê que a outra pessoa (ou ela mesma) disse o que disse no tom em que o disse. E é bom que a explicação seja bastante convincente, senão em vez da pulga vamos é ter um vespeiro atrás de ambas as orelhas, o que não será bom para nenhuma das partes.
- Resolução: é a fase do “ou vai ou racha”, a altura em que temos de decidir o que fazer. Se aceitamos as explicações (ou as acusações de loucura desvairada) feitas pela pessoa que confrontámos, ou se as mesmas não nos convencem e continuamos a sentir os pulinhos e as picadelas atrás da orelha. Resumindo: se mantemos ou perdemos alguém que pode ou não ser importante na nossa vida.

Na maior parte das vezes, acabámos por dar descanso à pulga e convencemo-nos de que tudo não passou de uma “viagem na maionese” da nossa própria responsabilidade (para dizer a verdade, na maior parte das vezes o que acontece é que somos convencidas ou deixamo-nos convencer disso).
No entanto, independentemente de termos ou não tido razão em qualquer situação específica, já sabem o que diz o ditado: o facto de sermos paranóicas não significa que não haja mesmo alguém a perseguir-nos.

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segunda-feira, maio 05, 2008

O Homem da minha vida

Encontrei o Homem da minha vida. Não foi fácil, mas já está. Assunto arrumado.
Para ser sincera, já o encontrei há bastante tempo. Ou melhor, nem precisei de o procurar: foi-me entregue de bandeja, numa noite de Outubro, numa Pizza Hut da Avenida da Boavista. Na altura pareceu-me uma companhia bem-disposta, alguém simpático, com um humor mordaz e inteligente, alguém com quem se podia ter uma conversa interessante e enriquecedora, alguém com uns lábios de comer e chorar por mais. E foi isso mesmo que fiz: comi, e nem imaginava o que ia chorar por mais.

A nossa relação foi complicada, com altos muito altos e baixos mais baixos ainda. Rimo-nos juntos, até doer a barriga, fazendo piadas corrosivas e criticando de forma cáustica quem nos cruzasse o caminho. Criticamo-nos violentamente, sem entendermos os motivos que nos moviam, demasiado diferentes para nos aceitarmos. Interferimos nas vidas um do outro, arriscando palpites e atirando decisões, deixando rasgões e marcas indeléveis pelo caminho. Beijamo-nos com pureza e ternura, em noites brancas de sono, amamo-nos com fúria e mordidas de sangue, em noites embriagadas de desejo. Apaixonamo-nos sem querer, quando menos esperávamos, em camas revoltas, entre segredos partilhados em surdina. Chorámos sozinhos quando o destino nos afastou, procurámos afecto em braços estranhos. Sofremos demais, discutimos demais, amamos demais. Ainda hoje, apesar de mais calma, a nossa vida continua difícil: somos demasiado diferentes e isso não mudará nunca.

Eu já desconfiava do que este homem era para mim, mas foi complicado reconhecê-lo com a vida a dar voltas e trambolhões em catadupa, sem tempo sequer para respirar. Até aqui sempre o vi mais como “a minha obsessão”, “o meu vício”, “o que me dá a volta”, “o que eu não consigo esquecer”. Ou então como “o meu amor”, “o meu amante”, “o meu melhor amigo”, “o meu confidente”. É, com diligência, pacientemente, aos poucos, sem eu me aperceber, ele foi entrando na minha vida, tornando-me cada vez mais dependente, ocupando cada cantinho do meu ser com a sua presença. E eu, sem o pretender, fiz o mesmo na vida dele.

Só agora o sei, só agora o posso dizer, só agora o reconheci como tal. É ele, com todos os seus defeitos. É ele, com todas as suas virtudes. Enlouquece-me, entristece-me, faz-me rir até às lágrimas, faz-me chorar amargamente, ama-me, completa-me. E, independentemente do final da história, é ele. O Homem da minha vida.

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