segunda-feira, julho 21, 2008

Coração numa mão, carteira na outra


Cada pessoa tem uma forma muito própria de lidar com a tristeza interior que por vezes assola o ser humano. Algumas tentam espantar os sentimentos saindo sempre que possível para evitar ficar a sós com o seu próprio desgosto; no extremo oposto, há as que se fecham em casa com uma manta e meia dúzia de CD’s indutores do suicídio, e passam todos os momentos livres a chorar baba e ranho e a gritar a altos pulmões “Porquê a mim?!”; também há aquelas que encontram alívio na comida, compensando em quilos extra as alegrias que teimam em não aparecer; por fim, há as pessoas que encontram soluções alternativas como, por exemplo, comprar tudo o que lhes passa pela frente.

Eu posso dizer que já experimentei praticamente todas estas reacções, às vezes conjugando duas ou três num verdadeiro acesso de loucura ao bom nível de “Voando sobre um ninho de cucos”. Ultimamente tenho evitado encarnar a personagem que povoou os meus piores pesadelos de infância (“Moby Dick, a baleia branca”), voltando todas as minhas dores e desamores para o consumo desenfreado. Para que se compreenda bem, eu tenho uma faceta de “mão-de-vaca”, de “Tio Patinhas”, que me leva a fugir de grandes despesas como o Diabo da cruz: acho que nunca me viram a dar mais de 100 Euros por umas botas, nem mais de 50 por uns sapatos, e só demorei 3 anos a decidir comprar uma televisão LCD. Mas, como todo o bom forreta, sempre tive uma certa dificuldade em resistir a uma boa pechincha, e, como mulher, continuo a acalentar a ilusão de que preciso mesmo de mais aquele par de sandálias, ou de que aquele casaco vai reestruturar todas as peças da minha vida que teimam em não encaixar.
E pronto, no seguimento de uma fase menos boa, em que a lágrima teimou em aparecer no canto do olho, vi-me, de repente, submersa num mar de tops coloridos, literatura clássica e moderna, camisolas trendy, cremes corporais, CDs revivalistas, shampoos tonificantes, pulseiras da moda e brincos psicadélicos.

Não é que não mereça estes mimos, “Porque eu mereço.” (quem inventou isto é um génio e, se não for mulher, conhece de certeza muitas de nós), mas analisando o referido ataque consumista em retrospectiva, assusta-me um pouco este descontrolo emocional. Racionalmente, sei que nada disto me vai colocar nas mãos o Santo Graal (pelo contrário, uma compra parece sempre dar lugar a outra: ou porque “não tenho nada que combine com o casaco novo”, ou porque “sem o gel contorno de olhos de soja, o creme anti-rugas de caviar não tem o mesmo efeito – não tem nada a ver, mas já repararam que cada vez há mais semelhanças entre a actual indústria da beleza/estética e um restaurante nouvelle cuisine dos anos 80?), mas é de tal modo viciante, e sobretudo alienante, que me começa a parecer verdadeiramente perigoso.

Imagem: retirada do site www.decoradoronline.com.br

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